sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

OS MAIS FAMOSOS


Comecei a pegar preguiça do Candim de aliança ainda nova. A gente morava na Vereda, pra cá do Alegre. Em eu solteira, vivia pra lá, no Gavião. Tudo diferençou muito... a gente gostava de um pagode. Eu era moça famosa, dançadeira. Antes das festas, ia com a Isaldina pro córrego e passava folha de mamoeiro nos braços, nas pernas, ficava maciinha... Babosa no cabelo... Tinha quinze namorados, e contava vantagem. Ele, igual. Nós dois, os mais famosos. Como é que eu fui casar logo com esse ? Vivi abusada...
Meu pai me influía:
- A Umbelina é caprichosa... Asseada...

E era. Trazia os pés ariadinhos, diária. Na venta boa, o papai falava que eu tinha cheiro de pudrim novo. Á ! Quem é que tolera gente ardida ? Quando o Candim visitava o papai, eu levava merenda no salão. Naquele prazo, a gente namorava. Uma vez ele pegou minha mão, na hora de despedir. Falou assim:
- Até...
A casa vivia cheia. Meu pai era farturento. E seguro. De vera... Aquele mundo de biscoito de polvilho nas latas, em eu menina. Em moça, o papai gostava de me fazer gosto. E eu tenho uma mão pra broinha, mané pelado e mingau... Na seca ou se dava um veranico, ele ficava liberal. Trabucar no sol era bom só se fosse regalado. Invernando, dava de regular o leite, o queijo, o côco... Buscar tanto pau só pros de casa? Pra quê ? Êlêlê... Fosse paçoca de carne seca ou pão de queijo, a gente pregava a boca. E por cima café. Nem todo dia é de broinha de amendoim. Ficava desse jeito. Vinha janeiro... Aquelas mangadas de criar planta, o milho já de boneca... Daí mês, estiando, o Candim vinha sapear.
- Pamonha ! – meu irmão gozava.

- Vai explorar os pretos ! – por desaforo.
Todo mundo ria, no terreiro, ralando milho. O Candim até que ajudava... Mas cabelo não catava. Queria ser mais bonito que os outros. Sapeava ali um prazo, depois buscava pau no mato, ralava milho e contava mentira a noite inteirinha. Isso na Conceição.
Na Vereda, a gente não tinha mais alegria.
- Pamonha é só pra fazer espiniqueira no terreiro.
Oiô ! Eu que trabalhava igual uma égua. O Candim só queria saber do vem a nós. Pinzeiro nenhum. Pois se era mutirão ! Á ! Ele trelava o cavalinho e caía no mundo. Eu ficava só com aquela ninhada e serviço. Nunca queijo, nunca côco, nunca leite. Como é que agora ele não queria mais mané pelado... Ridico.
Em 1970, vendeu nosso chão na Vereda. Aí, botou carneiro, água na porta. O preço do chão ficava o mesmo, mas o retrato... Eu já tava em tempo de sair no cacete com o pamonha. Era só boniteza. E tudo estraga a gente, que é mulher. Mandamos pro Lagamar, levando as galinhas e dez capados. Gado, ele não campeava mesmo. E ninguém tinha cerca... Ficou... Os meninos agora iam buscar o soro que a Fábrica de Leite jogava no córrego de esgoto, pra engorda. Depois, vendiam ovo e galinha. Aprendi corte de costura. Ainda bem que, no comércio, não tinha nem pau no terreiro. Acabou o divertimento dos meninos de tacar pedra nos guaches flagelando os pés de mamão e laranja. O Candim falava:

- Comércio não é lugar de pau. Faz sombra no chão.
Por mim, botava cimento em tudo. Tenho uma preguiça danada de sujeira na porta. Mistura, até tinha. Abóbora, quiabo, pepino, que eu plantava. Punha os meninos pra arrancar mato. Meu cabelo ? Vivia aquela bandeira ! Não punha nem a cara na rua. Era no chitão direto. Um dia, o Candim ainda gabou a moça do Onofre, da venda. Pensei ah caboclim... Eu já numa ojeriza danada... Aí, o um já vivia à-toa mesmo, ainda deu pra baralho e catira. Quando é fé, chega com doença da rua.
Tinha numa cabaça a pinga de abrir apetite. Essa era dele, particular. Mas aquilo tava um veneno... o mangango vinha avisando, beija-flor preto... Mas o Candim, finado patuá, agüentasse com a mandinga ! Muitos Candins batiam as botas de repente, de piripaque. Banha demais no de comer... Pimenta a reveria... E pinga !
Acabei de criar a tropa com costura. Me valeram e me valerão. E tenho uma preta que passa, lava e faz de toda quitanda ! Meus prazeres... Desde viúva, eu é que vivo na seda e renda, negras. As casimiras dele, dei pros pobres. Passo TRIM no cabelo, pó de arroz, perfume da AVON e vou pra igreja terça e quinta. Sábado tem reunião de oração nas casas. Domingo, de manhã e de noite. Arranjei os mais velhos, a caçula derradeira ainda tá dentro de casa. Não é lá bem famosa... E já vai ficando erada !

Eu, muito alegre, mimosa e roliça. Graças a Deus.